quarta-feira, 9 de março de 2011

A literatura de autoria feminina no Brasil

A literatura de autoria feminina no Brasil tem crescido vertiginosamente, mas é fenômeno recente. É preciso levar em conta que a formação literária de gerações escolarizadas consecutivas, no Ensino Fundamental, Médio e Superior, teve por base obras de autoria masculina, as aclamadas obras canônicas, em cujas listagens figuravam raras mulheres.

     O preconceito era tão comum que frases como a do jornalista João do Rio, no início do século 20, não causavam espanto: “Por que escrevem essas senhoras? Ninguém o soube; ninguém o saberá. Com certeza porque não tinham mais o que fazer (...) Mas elas escrevem, escrevem, escrevem”. Apesar da afirmação preconceituosa do jornalista, é preciso concordar com as palavras finais: elas escrevem, e graças a isso hoje pode-se contar com uma produção literária de autoria feminina no Brasil, que passa por diversos estilos, versa sobre os mais variados temas e conta com louvável qualidade. Com o aumento do número de autoras, tornou-se preciso reavaliar e repensar as concepções literárias, as solicitações de leitura feitas no Ensino Fundamental, Médio e Superior e até mesmo o cânone literário brasileiro.
Diferentes fases

     A divisão da literatura de autoria feminina em fases foi proposta por Eliane Showalter, que é uma das fundadoras da crítica feminista contemporânea. No Brasil, compõe-se de um grupo minoritário e marginalizado, quando comparado à literatura geral. Diante desta dificuldade, as primeiras produções, em meados do século 19 e início do século 20, refletem a realidade social e os papéis estabelecidos às mulheres através de uma imitação e da internalização dos valores e padrões vigentes. São obras que representam mulheres submissas ao poder patriarcal de pais e maridos, que encontram sua realização no casamento e na maternidade, numa conduta condizente às regras impostas pelo poder inscrito na concepção machista da sociedade da época. São exemplos deste período romances como Úrsula (1859), de Maria Firmina dos Reis, Dedicação de uma amiga (1850), de Nísia Floresta, A falência (1902) e A intrusa (1908), de Júlia Lopes de Almeida, e A sucessora (1934), de Carolina Nabuco. Esses romances se enquadram na primeira fase da tradição literária de autoria feminina, designada como Fase Feminina (Feminine) ou imitativa.

     O segundo momento da tradição literária de autoria feminina é designado Fase Feminista (Feminist) ou rebelde. É um momento caracterizado por um protesto contra os valores e padrões vigentes na sociedade e por uma luta pelos direitos das minorias. O período de 1944 a 1990 abrange as produções que contêm tais características. No Brasil as autoras mais significativas deste período são Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Lya Luft, Sônia Coutinho, Márcia Denser, Marina Colasanti, Helena Parente Cunha, Nélida Piñon, Marilene Felinto, Rachel de Queiroz, Ana Maria Machado, Adélia Prado, entre outras.

     Há ainda uma terceira fase, a partir da década de 1990, que é chamada de Fase Fêmea (Female) ou de autodescoberta. Essa fase se caracteriza pela busca de uma identidade própria, de uma escrita e de uma representação mais autênticas e livres. São desse momento romances de Adélia Prado, Nélida Piñon e Lya Luft, produzidos depois de 1990, e também autoras como Patrícia Melo, Adriana Falcão, Cássia Janeiro, Alice Ruiz, Helena Kolody e Zulmira Ribeiro Tavares.

     Apesar de a divisão em fases contribuir para uma reflexão sobre representações existentes e as transformações alcançadas, não se estabelece como uma regra fixa e estanque. As produções dos mais diversos períodos têm características das três fases. A busca constante por uma escrita feminina com identidade própria vem se firmando, mas é um processo lento, assim como todas as conquistas femininas na história.

     Quando um professor ou leitor se propõe a buscar obras de autoria feminina no Brasil, hoje, vai se deparar com uma grande variedade de estilos, temas, modalidades, pois as escritoras produzem poemas, romances, contos. Buscar tais obras e apresentá-las a outros leitores é parte do processo de transformação que precisa ser feito a fim de, ao menos, diminuir o preconceito.
Débora Maria Borba,
mestranda em Letras na Universidade Estadual de Maringá, PR.
Fonte: http://www.mundojovem.com.br/datas-comemorativas/mulher/artigo-mulher-a-literatura-de-autoria-feminina-no-brasil.php